Após meses de negociações, a Abra, controladora da Gol Linhas Aéreas, anunciou na noite de quinta-feira o término das conversas para uma fusão com a Azul Linhas Aéreas. Com isso, também foi encerrado o compartilhamento de voos (codeshare) destinado à integração das malhas aéreas das duas companhias.
A decisão foi bem recebida pelo mercado financeiro, que expressou preocupações em relação a um possível duopólio no setor de aviação doméstica, o que poderia impactar negativamente a concorrência e os preços para o consumidor.
De acordo com analistas, a continuação da operação de três companhias aéreas favorece uma maior concorrência na oferta de preços. Em resposta ao anúncio, as ações da Azul dispararam 17,14%, fechando a R$ 5,13, enquanto os papéis da Gol tiveram alta de 5,31%, encerrando o dia a R$ 5,95.
No comunicado aos investidores, a Abra destacou seu interesse na união, mas afirmou que as discussões não avançaram desde a assinatura de um memorando de entendimento em janeiro, principalmente devido ao foco da Azul em seu processo de recuperação judicial nos EUA, conhecido como Chapter 11 — equivalente à recuperação judicial no Brasil.
Além disso, analistas indicaram que a diferença de timing entre as duas empresas foi um fator decisivo. A Azul iniciou seu processo de recuperação em maio, enquanto a Gol completou sua reestruturação em julho, resultando em contextos financeiros distintos.
Impactos da Decisão no Setor Aéreo
Sidney Lima, analista da Ouro Preto Investimentos, observa que o encerramento das negociações oferece alívio para ambas as empresas, permitindo que a Gol evite novos desafios logo após a saída de um processo de recuperação e dando à Azul tempo para se concentrar na sua própria reestruturação.
“A fusão teria implicações operacionais complexas e incertezas regulatórias, tornando difícil a materialização das sinergias desejadas. A decisão permite que cada companhia retome sua estratégia de forma independente,” afirma Lima.
Com a crise provocada pela pandemia e a consequente necessidade de reestruturação financeira, as principais companhias aéreas do Brasil, incluindo a Latam, a Azul e a Gol, acionaram mecanismos de proteção contra credores. A Latam foi a primeira a concluir essa fase e passou a ampliar sua participação de mercado, alcançando 41,4% em agosto, conforme dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). A Gol possui 30,1% e a Azul, 28,4%.
Recentemente, a Azul anunciou a encomenda de 24 aviões da Embraer, com a possibilidade de acrescentar 50 unidades do modelo E195-E2, visando aumentar a conectividade na América do Sul. O governo brasileiro, por sua vez, tem reforçado a importância de fortalecer a aviação regional e a aquisição de jatos da fabricante nacional.
João Victor Carvalho, especialista em regulação do setor aéreo, destaca que o fracasso na fusão evita a formação de um duopólio, uma preocupação para os reguladores, mas que, por outro lado, limita as oportunidades de sinergia entre Gol e Azul. “A competição pode, em teoria, resultar em preços de passagens mais baixos, mas essas companhias ainda enfrentam fragilidades financeiras e precisarão se reorganizar individualmente,” afirma Carvalho.
Estratégias das Companhias para o Futuro
Enquanto a Latam investe em expansão e diversificação, a Gol e a Azul devem adotar uma abordagem contrária, focando em mercados mais lucrativos e reduzindo destinos menos rentáveis. Em agosto, a Azul anunciou a interrupção de operações em 53 rotas de 13 cidades que não eram lucrativas, como parte de sua estratégia para reduzir custos e ajustar seu plano de negócios durante a recuperação judicial.
Analistas acreditam que a Latam pode se beneficiar desse cenário, aproveitando oportunidades no setor regional e competindo diretamente com a Azul, especialmente em rotas onde esta tinha uma presença significativa. A Latam também recentemente inaugurou seu novo hangar em São Carlos, São Paulo, com um investimento de R$ 40 milhões, reforçando sua capacidade de manutenção e criando 300 empregos diretos.
Gesner Oliveira, ex-presidente do Cade e sócio da GO Associados, ressalta que fusões podem ser complicadas devido à necessidade de integrar culturas corporativas distintas. “Muitas vezes, as sinergias esperadas não se concretizam, e isso pode gerar resistência entre investidores,” comenta Oliveira. Ainda que a Azul enfrente os desafios da sua reestruturação, a nova configuração do mercado diminui incertezas que poderiam advir de uma fusão que resultaria em um grande controle sobre o mercado doméstico.
Os órgãos reguladores estavam alertas para a possibilidade de um monopólio no setor, e qualquer união que consolidasse mais de 58% do mercado poderia resultar em exigências regulatórias rigorosas.