Os fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs) têm mostrado um crescimento significativo em 2023, impulsionados pela demanda por crédito estruturado e pela abertura para investidores de varejo. Entretanto, o mercado ainda enfrenta incertezas relacionadas à tributação deste produto. Segundo sócios do escritório de advocacia Lefosse, existe uma desconexão entre os avanços regulatórios e tributários que afetam os FIDCs, o que pode resultar em uma onda de judicialização no setor.
Uma das principais preocupações envolve a nova cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), fixada em 0,38% para aquisição primária de cotas de FIDC por meio de um decreto publicado em junho. Ricardo Bolan, sócio da área Tributária do Lefosse, destaca que a primeira versão do decreto não previa incidência de IOF sobre títulos e valores mobiliários (TVM) em relação aos FIDCs, mas uma atualização posterior introduziu essa alíquota, gerando reações adversas no mercado.
“O governo ajustou o dispositivo para incluir o tributo na aquisição primária das cotas de um FIDC, justificando que as cotas do fundo são consideradas valores mobiliários. A questão surgiu com a preocupação de que as operações de risco sacado estivessem sendo utilizadas para driblar a tributação, levando à aplicação do IOF de 0,38% para alinhar a carga tributária”, explicou Bolan.
Adicionalmente, a insatisfação no mercado aumentou quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em caráter liminar, que o IOF Crédito sobre risco sacado não se aplicaria, considerando que se tratava de uma transação de compra e venda de recebíveis. No entanto, a alíquota de IOF TVM para os FIDCs permaneceu inalterada, o que gerou questionamentos sobre sua justificativa, segundo Bolan.
O mercado aguarda esclarecimentos da Receita Federal sobre a situação, mas a ausência de garantias gera incertezas. As questões tributárias, incluindo a possível incidência do IOF em estruturas de FIDCs encadeados, como ocorre com os fundos de investimento em cotas (FICs) de FIDC, continuam a ser debatidas. Bolan observa que administradores de fundos estão adotando posturas conservadoras, presumindo que a alíquota deve incidir múltiplas vezes.
“Essa falta de clareza está prejudicando as estruturas de FIDC”, avalia Bolan, que considera este tipo de fundo um instrumento essencial para a desintermediação financeira. Ele alerta que, caso as dúvidas não sejam esclarecidas, o movimento de judicialização pode se intensificar.
Dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima) revelam que os FIDCs já acumulam um patrimônio líquido de aproximadamente R$ 722,8 bilhões, representando cerca de 6,95% do total da indústria de fundos. Em 2023, os FIDCs são a segunda classe com maior captação de recursos, totalizando R$ 68,4 bilhões, atrás apenas dos fundos de renda fixa, que somam R$ 168,1 bilhões.
André Mileski, sócio de Fundos de Investimento do Lefosse, afirma que os FIDCs têm se expandido rapidamente. “Diversas instituições estão investindo em soluções financeiras no modelo banking as a service, e os FIDCs são fundamentais nesse processo. Eles abrangem desde o setor agro até o varejo e o financeiro. Atualmente, não existe segmento que não utilize esse tipo de instrumento”, conclui Mileski, ressaltando que a discrepância entre os campos regulatório e tributário persiste.