Em 1994, a rede de fast food McDonald’s foi condenada nos Estados Unidos após um incidente envolvendo Stella Liebeck, uma mulher de 79 anos que sofreu queimaduras graves ao derramar café quente em seu colo. A temperatura do café servido pela empresa variava entre 82 °C e 88 °C, o que era suficiente para causar queimaduras de terceiro grau em poucos segundos.
O caso, conhecido como “hot coffee case”, destacou questões de negligência e a responsabilidade das empresas em relação à segurança de seus produtos. Durante o julgamento, o júri considerou o McDonald’s responsável por 80% dos ferimentos, após ser apurado que a empresa havia ignorado mais de 700 queixas anteriores de queimaduras sem tomar medidas para reduzir a temperatura do café.
Stella Liebeck comprou o café em um drive-thru do McDonald’s em Albuquerque, no Novo México. Enquanto o veículo estava parado, ela tentou retirar a tampa do copo para adicionar açúcar e creme. Nesse momento, o copo virou e o café, quase em ponto de ebulição, atingiu a pele dela, causando queimaduras em 6% do seu corpo, incluindo áreas sensíveis como as coxas e genitais. As queimaduras foram tão profundas que a idosa precisou passar por enxertos de pele e ficou hospitalizada por oito dias, além de enfrentar semanas de tratamento intensivo, resultando em sequelas que afetaram sua mobilidade por dois anos.
Esse incidente que parecia um acidente comum revelou uma falha sistêmica na política de segurança da cadeia de fast food. Durante o julgamento, especialistas em termodinâmica testificaram que líquidos servidos a 88 °C podem causar queimaduras severas em até três segundos. Em comparação, a 71 °C, esse tipo de ferimento demoraria cerca de 20 segundos, tempo suficiente para a pessoa reagir e se proteger. Um gerente de qualidade do McDonald’s confirmou em depoimento que a bebida naquela temperatura não era segura para consumo imediato, pois podia provocar queimaduras na boca e na garganta. Apesar desse reconhecimento, a empresa manteve a temperatura elevada, argumentando que era a preferência de seus clientes.
O júri considerou a decisão da empresa uma “escolha comercial consciente”, que priorizava o lucro em detrimento da segurança dos consumidores. Stella Liebeck, inicialmente, tentou resolver a questão com um acordo de apenas 20 mil dólares para cobrir suas despesas médicas, mas o McDonald’s rejeitou, oferecendo apenas 800 dólares. O caso foi a julgamento e resultou em um reconhecimento da responsabilidade da empresa, com o tribunal atribuindo indenizações significativas.
O júri determinou 200 mil dólares em danos compensatórios, que foram reduzidos para 160 mil dólares devido à responsabilidade parcial da autora. Além disso, foram fixados 2,7 milhões de dólares em danos punitivos, calculados com base nos lucros da venda de café da rede durante dois dias. Posteriormente, um juiz reduziu os danos punitivos para 480 mil dólares, e as partes chegaram a um acordo confidencial estimado em menos de 500 mil dólares.
Apesar da redução no valor, o caso gerou um impacto significativo na jurisprudência e na história do direito do consumidor. Ele evidenciou que empresas multinacionais podem ser responsabilizadas não apenas pelos danos causados, mas também pela negligência em corrigir práticas inseguras.
O caso Liebeck contra o McDonald’s passou a ser estudado em faculdades de direito e frequentemente citado em discussões sobre responsabilidade civil e ética empresarial. Embora tenha sido alvo de piadas na mídia como um mero “processo frívolo”, uma análise profunda mostrou que a empresa estava ciente dos riscos e hesitante em promover mudanças. Desde então, McDonald’s e outras cadeias de fast food adotaram temperaturas de café mais seguras e passaram a incluir avisos sobre riscos nas embalagens dos produtos. Essa situação também influenciou mudanças na abordagem dos tribunais em relação a danos punitivos, estabelecendo critérios de proporcionalidade entre os lucros da empresa e o valor das indenizações.