A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias está passando por um período de luto e transição. No dia 28 de setembro de 2025, uma tragédia ocorreu em um encontro da igreja em Michigan, onde um ataque a tiros e um incêndio resultaram na morte de quatro pessoas e deixaram outras oito feridas. A situação é ainda mais delicada, pois Russell M. Nelson, presidente da igreja, faleceu no dia anterior, aos 101 anos. Dallin H. Oaks, que é o membro mais antigo da liderança da igreja, deverá assumir a presidência, seguindo os protocolos estabelecidos.
A nova liderança herdará a responsabilidade de guiar uma instituição religiosa que tem profundas raízes nos Estados Unidos, mas que está se expandindo em diversas partes do mundo. A diversidade dentro da igreja é frequentemente ignorada pela mídia, que tende a retratá-la de forma unidimensional, como em programas que focam na vida de esposas mórmons ou em musicais da Broadway.
A pesquisa em comunidades de Santos dos Últimos Dias nos Estados Unidos, especialmente entre imigrantes latinos e jovens adultos, revela que muitas pessoas ainda associam a igreja principalmente a Utah, onde se localiza sua sede. No entanto, esse estado tem apenas 42% de sua população como membros da igreja. O estereótipo de que os Santos dos Últimos Dias são apenas brancos e conservadores é uma simplificação que ignora a vibrante diversidade nas congregações, que se espalham por países como Gana, Emirados Árabes Unidos, Rússia e China.
Fundada em 1830 por Joseph Smith, a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias começou enviando missionários para pregar no que era então a fronteira americana. O primeiro grupo de missionários enviados para o exterior foi para a Inglaterra, em 1837. Após a Segunda Guerra Mundial, a igreja revisou sua abordagem missionária, expandindo os esforços para incluir muitos outros países, particularmente na América Central, América do Sul e ilhas do Pacífico. Atualmente, a igreja conta com mais de 17,5 milhões de membros, a maioria dos quais vive fora dos Estados Unidos, em mais de 160 países.
Um indicador do crescimento global da igreja é a construção de novos templos. Esses edifícios são dedicados a cerimônias especiais, como casamentos, e antes estavam concentrados nos Estados Unidos. Hoje, templos podem ser encontrados em dezenas de países, incluindo Argentina e Taiti. Durante a presidência de Nelson, foram anunciados 200 novos templos, o maior número anunciado por qualquer líder anterior, enfatizando o compromisso da igreja em ser uma religião global.
As demografias entre os membros dos Estados Unidos também estão passando por mudanças. Atualmente, 72% dos membros são brancos, uma queda em relação a 85% em 2007, com um número crescente de latinos, que hoje representam 12% dos membros. Existem congregações em todos os estados norte-americanos, inclusive na pequena cidade de Grand Blanc, Michigan, onde ocorreu a recente tragédia. O suspeito do ataque, Thomas Jacob Sanford, foi morto pela polícia e tinha expressado opiniões hostis em relação aos Santos dos Últimos Dias.
A diversidade, no entanto, não tem se refletido de maneira proporcional na liderança da igreja, que continua composta principalmente por homens brancos e americanos. À medida que a igreja cresce, surgem questões sobre como as normas de uma instituição baseada em Utah se alinham com as realidades de membros em lugares como Manila, Cidade do México, Bangalore ou Berlim. Há uma busca por uma maior expressão cultural local nas congregações, especialmente entre os latinos, que enfrentam resistência a tradições culturais que não são vistas como parte da fé mórmon.
Apesar de alguns avanços, como uma campanha em espanhol que utiliza imagens do Dia de Finados para atrair membros latinos, muitos sentem que a cultura americana e a retórica anti-imigrante que ouvem dificultam a celebração plena de suas tradições. Detalhes estéticos e repertórios musicais frequentemente refletem um modelo americano, o que pode provocar desconforto em países onde há alta membresia e histórias complexas relacionadas à intervenção dos EUA.
À medida que a transição de liderança se aproxima, o futuro presidente enfrentará o desafio de liderar uma igreja global a partir de uma sede americana. A igreja precisa entender melhor sua diversidade e as complexidades que surgem com a sua expansão, pois as expectativas de como os membros devem se vestir ou apresentar-se também levantam questões sobre representação e pertencimento.
Além disso, a relação histórica da igreja com temas sensíveis, como raça e a comunidade LGBTQ+, torna-se mais difícil dentro de uma estrutura de decisão centralizada. Contudo, esta mudança de liderança representa uma oportunidade para a igreja e para o público em geral compreenderem melhor a diversidade e a vida multifacetada dos Santos dos Últimos Dias em todo o mundo.