O programa Crédito ao Trabalhador, implementado em março de 2023, alcançou em setembro a marca de 6.399 concessões de empréstimos consignados, cuja cobrança é feita diretamente na folha de pagamento. No mesmo período, a taxa média de juros subiu, passando de 44% em março para 58,4% em setembro, com algumas instituições financeiras cobrando até 185% ao ano.
Segundo especialistas consultados pelo InfoMoney, a expansão da oferta de crédito ocorre frequentemente sem informações adequadas sobre o risco de comprometimento da renda, levando muitos a contrair dívidas sem compreender o impacto nos custos mensais.
Antes do programa, a obtenção de crédito com desconto em folha era mais burocrática, exigindo que empresas firmassem convênios com instituições financeiras. Atualmente, os trabalhadores podem solicitar proposta de crédito por meio do aplicativo Carteira de Trabalho Digital, escolhendo a instituição para contrair o empréstimo. A empresa é notificada apenas quando o desconto é realizado, que não pode ultrapassar 35% do salário. Essa modalidade é acessível a trabalhadores com registro CLT, empregados domésticos, rurais, Microempreendedores Individuais (MEI) e motoristas de aplicativo.
Concessões Aumentam de Forma Significativa
A simplificação do processo resultou em um crescimento das contratações de empréstimos consignados do setor privado, que passaram de uma média de **1.500** por mês entre 2023 e o início de 2025 para mais de **6.300** em setembro.
A economista Katherine Hennings, pesquisadora associada do FGV Ibre, observa que o aumento nas concessões sugere que o governo desbloqueou uma via previamente obstruída, buscando tornar esse sistema mais estável no mercado. Mais tomadores de crédito tendem a reduzir a taxa de inadimplência, ao incrementar o número de pagadores em comparação àqueles que atrasam pagamentos.
| Mês / Ano | 2023 | 2024 | 2025 |
|---|---|---|---|
| jan | 1.614 | 1.565 | 1.698 |
| fev | 1.377 | 1.478 | 1.567 |
| mar | 1.554 | 1.426 | 2.250 |
| abr | 1.387 | 1.714 | 5.596 |
| mai | 1.704 | 1.725 | 3.086 |
| jun | 1.582 | 1.556 | 2.589 |
| jul | 1.538 | 1.666 | 5.112 |
| ago | 1.648 | 1.788 | 6.066 |
| set | 1.505 | 1.744 | 6.399 |
Alta nos Juros
Desde o lançamento do programa, a taxa média de juros dos empréstimos consignados aumentou de **44%** para **58,4%**, uma elevação de **14,4** pontos percentuais. Esses juros, embora mais baixos em comparação a outras modalidades de crédito, são quase o dobro do oferecido a servidores públicos e beneficiários do INSS.
| Mês / Ano | 2023 | 2024 | 2025 |
|---|---|---|---|
| jan | 39,3 | 38,5 | 41,1 |
| fev | 39,7 | 38,7 | 40,9 |
| mar | 39,3 | 38,1 | 44,0 |
| abr | 39,2 | 38,5 | 59,1 |
| mai | 39 | 38,8 | 55,6 |
| jun | 38,9 | 38,7 | 56,3 |
| jul | 38,5 | 38,6 | 55,5 |
| ago | 38,3 | 38,1 | 56,3 |
| set | 38,1 | 38,4 | 58,4 |
A natureza do empréstimo consignado, com desconto em folha, proporciona maior segurança aos bancos, permitindo taxas de juros mais baixas. Além disso, o saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) é utilizado como caução para o pagamento do empréstimo em caso de demissão.
Os empréstimos não consignados, por sua vez, apresentaram taxa de juros de 101,2% ao ano em setembro. Para fins de comparação, o crédito consignado CLT tinha juros de 58,4%, enquanto para servidores públicos e beneficiários do INSS, as taxas eram de 24,4% e 24%, respectivamente.
| Crédito para Pessoa Física | Juros (%) ao Ano |
|---|---|
| Cheque Especial | 141,0 |
| Crédito Não Consignado | 101,2 |
| Crédito Consignado CLT | 58,4 |
| Crédito Consignado Servidores Públicos | 24,4 |
| Crédito Consignado Beneficiários do INSS | 24,0 |
Para Hennings, a taxa de juros mais alta para o consignado do setor privado é justificada pela garantia de pagamento, que também implica um risco ao trabalhador, visto que o FGTS, destinado a oferecer segurança financeira em momentos de desemprego, pode ser comprometido.
Riscos e Responsabilidade do Crédito Acessível
Na avaliação de Reinaldo Domingos, presidente da Associação Brasileira dos Profissionais de Educação Financeira (Abefin), o Crédito ao Trabalhador apresenta vantagens e riscos, pois, embora ofereça juros mais baixos, exige uma melhor compreensão sobre seus custos. A facilidade de acesso ao crédito, segundo ele, não é acompanhada pela educação financeira necessária para evitar um colapso financeiro, já que quase **80 milhões** de brasileiros estão endividados.
Uma pesquisa da Abefin revela que 69% dos entrevistados não calcularam o impacto mensal dos empréstimos em seu orçamento, e 83% desconheciam a taxa de juros que estavam pagando. Aproximadamente 47% dos participantes não tinham ciência de que o FGTS seria usado como garantia.
Os dados do Banco Central, atualizados até o final de outubro de 2023, indicam uma grande variação nas taxas de juros no mercado, com valores que vão de 19,10% ao ano no Banco Arbi até 185,19% no Banco Ribeirão Preto.
Os principais bancos apresentaram taxas que variavam entre 36,6% no Bradesco e 48% no Santander.
Impacto na Renda do Trabalhador
Katherine Hennings alerta sobre os riscos financeiros que surgem quando os trabalhadores não conseguem avaliar o impacto das dívidas. A contratação de um empréstimo consignado reduz imediatamente o salário líquido disponível, o que pode comprometer o pagamento de outras despesas.
Ela enfatiza que crédito é uma antecipação de rendimento futuro e que a utilização do limite máximo disponível, que pode chegar a 35%, pode provocar uma considerável diminuição na renda disponível.
No caso de um trabalhador que já paga 27% do Imposto de Renda, a soma do desconto de 35% do consignado resultaria em apenas 38% do salário restante, desconsiderando outros descontos, como Previdência e plano de saúde.
Domingos também expressa preocupações quanto à extensão do crédito consignado a trabalhadores de aplicativos, que muitas vezes já lidam com a dificuldade financeira e podem comprometer ainda mais suas fontes de renda.
Avaliação do Uso do Crédito Consignado CLT
Trabalhadores que desejam utilizar o crédito consignado devem avaliar detalhadamente suas finanças pessoais, considerando gastos fixos e variáveis para assegurar que a parcela não comprometa sua capacidade de pagamento.
O prazo de pagamento é outro fator crucial. A pesquisa da Abefin mostra que 36% dos empréstimos consignados foram utilizados para quitar dívidas com juros altos, como o rotativo do cartão de crédito e o cheque especial, 29% para despesas médicas, 26% para reformas domiciliares e 19% para aquisição de bens como eletrodomésticos e veículos.
Embora a troca de dívidas de cartão com juros elevados possa parecer vantajosa, Domingos recomenda cautela. Em muitos casos, a negociação de dívidas que se enquadram na Lei do Superendividamento pode ser mais benéfica do que substituir uma dívida por outra mais acessível, já que o crédito consignado não permite renegociações futuras.
A consciência sobre os riscos de um crédito fácil e os potenciais impactos financeiros é vital para evitar complicações futuras para os trabalhadores brasileiros.

