A política monetária é a principal ferramenta do Banco Central (BC) para assegurar a estabilidade do poder de compra do real. Em períodos de alta inflação, o BC eleva a taxa de juros para conter a atividade econômica e, assim, desacelerar o aumento dos preços. Contudo, mesmo com a Selic atingindo 15% ao ano, os impactos esperados na economia têm sido menos significativos do que o projetado, conforme aponta um relatório do banco Inter.
O estudo indica que, apesar de a Selic estar em seu nível mais elevado em quase duas décadas, a economia não tem mostrado os efeitos esperados após três anos de uma política monetária contracionista. Os pesquisadores André Valério e Gustavo Menezes ressaltam que a atividade econômica permanece aquecida, mesmo desde que a política monetária foi endurecida em 2022.
A taxa de desemprego, referente ao trimestre encerrado em agosto, caiu para 5,6%, mantendo-se no menor nível histórico desde o início da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua. O Produto Interno Bruto (PIB) também apresentou crescimento de 2,2% no segundo semestre de 2025 em comparação ao segundo trimestre de 2024, enquanto a inflação ainda se encontra acima da meta estabelecida.
Embora se espere que a alteração na Selic demore a impactar a economia, o contexto econômico atual pode acelerar ou retardar essa transmissão. O banco Inter observa que o corte inesperado da Selic em 2012, que foi alvo de críticas por suposta influência política, foi cerca de 1 ponto percentual mais estimulante do que o corte realizado em 2020, que visava mitigar os efeitos da pandemia de Covid-19. Desde 2022, porém, as políticas monetárias parecem ter perdido eficácia, sem provocar modificações significativas nos ciclos de alta.
Canais de Repasse “Entupidos”
A atual limitação da sensibilidade da economia frente à restrição monetária se alinha com padrões históricos, mas levanta um debate sobre a perda de efetividade da política monetária, conforme especialistas. Essa questão é explicada pelo “entupimento” de três canais que deveriam transmitir os efeitos de uma Selic elevada para a economia real: câmbio, riqueza e expectativas, e crédito.
Embora se espere que juros altos valorizem a moeda, o real não apresenta uma valorização proporcional, apesar da competitividade elevada dos juros reais em comparação com outros países latino-americanos. De acordo com o relatório, a falta de valorização pode estar atrelada à preocupação do mercado com as despesas governamentais, e a liberação desse canal depende de reformas fiscais críveis.
A Selic também exerce influência sobre as expectativas de juros a curto e longo prazo, afetando a precificação de ativos financeiros e, portanto, a riqueza das famílias. Um aumento nas taxas de juros de longo prazo provoca a desvalorização de títulos e ações, impactando negativamente a capacidade de consumo das famílias.
Desde 2008, a eficácia dos aumentos da Selic sobre os juros de longo prazo tem diminuído, complicando ainda mais o trabalho do Banco Central. Apesar disso, o canal de crédito se tornou ligeiramente mais eficaz, uma vez que a alta da Selic encarece financiamentos e pode levar ao aumento da inadimplência. Contudo, as operações de crédito permanecem “entupidas”, com spreads altos, alta concentração bancária e limites nas taxas do crédito direcionado, o que dificulta uma transmissão mais eficiente da taxa básica de juros.
Os pesquisadores concluem que a perda de eficiência dos canais monetários pode estar ligada à desconfiança em relação à meta de inflação de 3%, considerada “arrojada”. Eles afirmam que a taxa de juros resultante de tal meta, aliada a um ajuste fiscal pendente, representa um ônus elevado na condução da política monetária.
Para que haja uma convergência da inflação em direção à meta e uma ancoragem das expectativas, mais harmonia entre as políticas monetária e fiscal será necessária. Nesta condição, a normalização da Selic poderia ocorrer de maneira mais ágil, minimizando os impactos sobre o crescimento econômico do Brasil.