A tentativa do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de destituir Jerome Powell da presidência do Federal Reserve (Fed) revela um conflito inédito entre o Executivo e a instituição monetária. A tensão aumentou recentemente, com Trump fazendo declarações contundentes, como: “Se eu quiser tirá-lo, ele sai rapidinho” e afirmando que “a demissão de Powell já passou da hora”. O presidente também se referiu a Powell como “Sr. Tarde Demais”.
As críticas surgiram após Powell reafirmar a autonomia do Fed e advertir sobre os impactos inflacionários resultantes das tarifas impostas por Trump em sua fala no Economic Club of Chicago. Na sexta-feira, 18 de agosto, Kevin Hassett, assessor econômico da Casa Branca, mencionou que a administração está considerando a possibilidade de demitir o presidente do banco central.
Mas quais são as implicações dessa decisão? Como funciona o mandato de Powell? O que diz a legislação americana sobre a demissão do presidente do Fed? A seguir, explicamos como isso pode impactar os mercados.
Por que Trump quer demitir Powell?
O confronto decorre da desaceleração econômica provocada pelas tarifas de importação estabelecidas por Trump, que, segundo estimativas do Yale Budget Lab, aumentaram os custos de vida em cerca de US$ 4.900 por domicílio. Powell argumenta que a redução das taxas de juros neste momento poderia exacerbar a inflação, que já excede a meta de 2% definida pelo Fed. Em contrapartida, Trump considera as taxas elevadas um obstáculo ao crescimento e acusa Powell de estar “jogando politicamente”.
Como funciona o mandato do presidente do Fed
Jerome Powell exerce um mandato de quatro anos como presidente do Federal Reserve, integrado a um conselho com uma duração total de 14 anos. Ele foi nomeado membro do Conselho de Governadores em 2012 por Barack Obama, promovido a presidente em 2017 por Trump e reconduzido ao cargo em 2022 por Joe Biden. Seu mandato como presidente termina em maio de 2026, mas ele pode permanecer no Conselho até 2028, salvo renúncia ou destituição.
Essa estrutura busca proteger o Fed de influências políticas. O presidente da República indica o presidente do banco central, com a aprovação do Senado, e os mandatos são escalonados para evitar coincidências com ciclos eleitorais, conforme estabelecido após uma reforma em 1935. O Conselho é composto por sete governadores, também com mandatos longos e independentes, garantindo a continuidade da política monetária.
Afinal, o presidente pode demitir o chair do Fed?
A legislação americana permite que membros do Conselho do Fed, incluindo seu presidente, sejam removidos apenas por “justa causa”. Essa expressão não é claramente definida, mas tribunais a interpretam como má conduta, negligência ou incapacidade, enquanto divergências sobre políticas monetárias não se encaixam nessa classificação, segundo Sarah Binder, especialista do Brookings Institution.
Até o momento, nenhum presidente conseguiu destituir um chair do Fed. De acordo com o Wall Street Journal, Trump consultou advogados em seu primeiro mandato sobre a possibilidade de demitir Powell, mas foi aconselhado contra essa ação.
Há precedentes para demissão do presidente do Fed?
Embora não existam precedentes legais claros, ações judiciais em curso sobre demissões em massa promovidas por Trump estão sendo observadas como possíveis indícios da extensão de seu poder. Um caso específico está pendente na Suprema Corte, onde uma tentativa de demitir Powell poderia ser avaliada.
O papel da Suprema Corte
A Suprema Corte está analisando um recurso a respeito da demissão de dirigentes de agências independentes, como o Conselho Nacional de Relações Trabalhistas e o Conselho de Proteção do Mérito no Serviço Público. O resultado dessa análise pode influenciar possíveis disputas relacionadas ao Fed, embora o governo Trump afirme que a situação do banco central possui “um histórico jurídico único” e não será diretamente afetada.
A jurisprudência que limita a demissão de dirigentes de agências independentes remonta a 1935, mas membros conservadores da Corte, como Clarence Thomas e Neil Gorsuch, já manifestaram interesse em rever esse precedente.
Trump pode destituir Powell apenas como chair do Fed?
Se Trump decidir destituir Powell apenas como presidente do Fed, Powell poderia permanecer como membro do Conselho até o fim de seu mandato, em janeiro de 2028. A próxima vaga planejada para o conselho acontecerá apenas em janeiro de 2026, limitando as opções de Trump a indicar um novo presidente entre os outros membros do conselho.
Entre os seis atuais diretores, dois foram indicados por Trump em seu primeiro mandato: Christopher Waller e Michelle Bowman. Ambos também enfatizaram a importância da independência do Fed, o que torna incerta a possibilidade de que aceitem implementar imediatamente os cortes nas taxas de juros que Trump deseja.
E tirá-lo da presidência do FOMC?
Trump não possui controle direto sobre a presidência do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC). O presidente do FOMC é escolhido anualmente pelos 12 membros do painel, que incluem os sete diretores, o presidente do Federal Reserve de Nova York e quatro outros presidentes de bancos regionais. Por tradição, o FOMC seleciona o presidente do Fed como seu líder.
E como diretor do Fed?
Se Powell for removido do cargo de diretor, isso teria impacto significativo. Caso a demissão resistisse a desafios legais, Trump ganharia a oportunidade de indicar um novo membro e um novo presidente para o Fed, possibilitando que ele redefinisse a liderança da instituição conforme seus interesses.
Powell poderia contestar?
Caso tal demissão ocorra, Powell teria a legitimidade para contestá-la em um tribunal federal, embora precisaria arcar com os custos dessa ação por conta própria. Com uma carreira como advogado e ex-executivo de private equity, ele possui os recursos necessários para financiar seu desafio legal.
Sob pressão, Powell reafirmou recentemente que não planeja renunciar, mesmo que solicitado por Trump, e sustentou que a independência do Fed é uma questão legal essencial, baseada em decisões que visam o bem-estar de todos os americanos.
Como o mercado pode reagir?
A possível demissão de Powell é vista pelo mercado como uma ameaça à confiança nas decisões do Federal Reserve, gerando insegurança sobre a efetividade de potenciais cortes nas taxas de juros na economia e afetando a rentabilidade dos títulos públicos dos EUA, algo que preocupa a administração Trump. Jed Ellerbroek, da Argent Capital Management, alertou que países com bancos centrais independentes costumam ter economia mais robusta e inflação controlada, enquanto influências políticas sobre o Fed geram preocupações significativas para os investidores.
O Instituto de Finanças Internacionais (IIF) observou um aumento de quase 50 pontos-base nos juros dos Treasuries, a maior alta semanal desde os atentados de 11 de setembro de 2001. As cotações refletem a crescente percepção de risco, com os três principais índices de Wall Street apresentando perdas significativas, especialmente em ações de grandes empresas de tecnologia.
Em meio a essa instabilidade, o interesse por ativos considerados seguros, como o ouro, aumentou drasticamente, com preços atingindo US$ 3.500 por onça, patamar inédito.
Cautela nos bastidores da Casa Branca
Apesar das críticas públicas, fontes próximas a Trump indicam que ele está adotando uma postura mais cautelosa nos bastidores. O New York Times noticiou que, após as repercussões negativas das tarifas sobre os mercados, o presidente foi persuadido a evitar ações precipitadas, temendo uma responsabilidade por um colapso financeiro como o de 1929. O secretário do Tesouro, Scott Bessent, revelou que o governo começará entrevistas para possíveis sucessores de Powell em outubro, preparando a sucessão esperada para maio de 2026. Kevin Warsh, ex-diretor do Fed e conhecido aliado de Bessent, é considerado um forte candidato.
(com Reuters e AFP)