O Projeto de Lei Complementar 108/2024, aprovado pelo Senado em 30 de setembro, introduz alterações significativas nas regras da cobrança de impostos sobre a transmissão de bens, como o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações) e o ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis). A proposta é parte da regulamentação da nova Reforma Tributária e visa criar um padrão entre estados e municípios.
De acordo com especialistas consultados, embora a intenção seja favorecer as faixas de renda mais baixa, as mudanças podem sobrecarregar a classe média brasileira, aumentando a carga tributária e gerando potenciais litígios sobre o valor de mercado dos bens. Atualmente, as alíquotas do ITCMD variam entre 2% e 8% nos estados, com São Paulo aplicando uma taxa fixa de 4%. Com a implementação do PLP 108, todos os estados devem adotar alíquotas progressivas com base no valor transmitido.
O sócio do escritório RVM Law, Renato Munduruca, ressalta que, na prática, a carga pode aumentar significativamente para patrimônios médios. Por exemplo, uma herança de R$ 1 milhão que hoje gera um custo de R$ 40 mil em ITCMD em São Paulo poderia dobrar para até R$ 80 mil, conforme a nova tabela com alíquotas de até 8%.
Outra alteração importante é a ampliação da base de cálculo do imposto, que passará a ser baseada no valor de mercado dos bens, ao invés do valor contábil ou venal. Isso inclui a avaliação de quotas de empresas familiares, levando em consideração o patrimônio líquido ajustado e o fundo de comércio. Juliana Assolari, sócia do Lassori Advogados, observa que essa regra poderá aumentar a tributação das pequenas empresas familiares e gerar controvérsias na apuração do valor.
O tributarista Gabriel Ulhôa Canto Gebara, do LCSC Advogados, alerta que a mudança impactará planejamentos sucessórios, uma vez que a apuração pelo valor contábil deixará de ser considerada. Ele destaca que essa nova abordagem pode provocar insegurança jurídica e elevação na carga tributária, visto que a proposta busca incluir bens no exterior e estruturas de trust sob a incidência do ITCMD, salvo exceções específicas.
Em relação ao ITBI, o PLP também traz mudanças significativas, afirmando a competência municipal e alterando a base de incidência e o momento de sua exigência. O advogado Morvan Meirelles Costa Junior destaca que o imposto poderá ser exigido já na formalização da escritura pública, antecipando o recolhimento e afetando o fluxo de caixa dos compradores de imóveis. Além disso, o novo projeto define o valor venal como o valor de mercado, com o intuito de alinhar a base de cálculo à realidade, mas pode também exacerbar distorções no caso de sobreavaliação dos bens, especialmente em áreas com alta especulação imobiliária.
O PLP 108 também busca fortalecer a distinção entre ITBI e ITCMD, deixando claro que o primeiro incide apenas sobre transmissões onerosas, enquanto o segundo abrange as transmissões causa mortis e doações. A proposta introduz a obrigatoriedade do compartilhamento de informações entre cartórios e administrações tributárias, com multas para omissões, visando combater a sonegação.
Em resumo, o novo projeto tende a aumentar a carga tributária sobre heranças e transferências imobiliárias, afetando especialmente famílias de classe média e pequenos empresários, além de abrir espaço para novos conflitos jurídicos sobre avaliações de bens. Munduruca recomenda que ajustes nos planejamentos patrimoniais e sucessórios sejam realizados antes da implementação das novas regras em 2026.