A taxa de inadimplência no Brasil atinge níveis alarmantes, com 8,1 milhões de CNPJs negativados e 78,8 milhões de pessoas endividadas. Este panorama se revela, surpreendentemente, em meio a um cenário de recordes em criação de empregos e aumento da renda média, levantando questões sobre a origem dessa crise financeira.
O aumento da inadimplência se deve a uma combinação de fatores que se entrelaçam e se intensificam ao longo dos anos. Muitas empresas e famílias, ainda lidando com os efeitos da pandemia, acumulam dívidas. A escalada dos juros é um elemento crucial, com a taxa subindo de 2% em agosto de 2020 para 15% em junho de 2025, elevando o custo do pagamento das dívidas em atraso. O cenário atual sugere que essa situação deve persistir, com a previsão da Selic se estabilizando em torno de 12% até o final de 2026, o que pode restringir ainda mais o crédito e a renda, refletindo em um possível desaceleramento nas contratações.
De acordo com dados do Serasa, a inadimplência cresceu consecutivamente neste ano, subindo de 74,6 milhões em janeiro de 2025 para 78,8 milhões em agosto. O número médio de dívidas para cada consumidor inadimplente é de R$ 6.267,69, com uma média de R$ 1.578,23 por dívida, totalizando quase quatro pendências para cada inadimplente.
A maior parte das dívidas está concentrada em bancos e cartões (27,27%), empresas de serviços essenciais (20,83%) e instituições financeiras (19,51%). Desde 2020, as instituições financeiras registram um aumento na inadimplência, subindo de 9,1% em agosto de 2020 para 19,5% em agosto de 2025.
O economista Flávio Ataliba Barreto, do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, destaca que o endividamento das famílias atingiu um patamar sem precedentes após a pandemia, impulsionado por juros elevados e um aumento nos empréstimos consignados e no uso do crédito rotativo. Essa última modalidade de crédito apresenta taxas que chegam a 451% ao ano.
Além da crise provocada pela pandemia, o Brasil também passou por um período de recessão econômica entre 2017 e 2020, seguido por choques inflacionários e desemprego, que impactaram a renda das famílias. Mesmo com a recente queda do desemprego e o Programa Desenrola, que promovia a renegociação de dívidas, o cenário ainda é desafiador. O percentual de famílias endividadas saltou de 58% em janeiro de 2017 para 79% em 2025, sendo que 30% delas estão inadimplentes.
A rápida expansão dos bancos digitais e a facilidade de acesso ao crédito contribuíram para este cenário, conforme analisa Barreto. Vieses cognitivos, como a percepção errônea sobre o uso de cartões de crédito, levam ao consumo excessivo e à acumulação de dívidas.
Com as famílias sendo responsáveis por 62% do PIB, a redução no consumo devido ao endividamento pode impactar economicamente o país. A reversão dessa situação depende da redução das taxas de juros e do controle da inflação, mas a atual situação fiscal do Brasil gera incertezas acerca da evolução futura dos juros.
No contexto empresarial, a inadimplência das empresas também apresenta crescimento. Em agosto de 2025, o número de CNPJs negativados alcançou 8,1 milhões, em comparação aos 6,9 milhões do mesmo mês em 2024. O valor médio das dívidas aumentou de R$ 21,6 milhões para R$ 24,6 milhões no período.
A economista Camila Abdelmalack, da Serasa Experian, aponta que a dificuldade das empresas em honrar suas obrigações é reflexo da desaceleração da demanda e da maior restrição ao crédito desde 2022. Para 2026, a expectativa é que o ambiente de negócios continue cauteloso, com limitações no financiamento de capital de giro.
As micro e pequenas empresas, que representam 93% do total de entidades comerciais no Brasil, precisarão implementar estratégias de controle de fluxo de caixa, renegociação de dívidas e profissionalização da gestão para enfrentar os desafios econômicos que se aproximam.



