Milla Fernandez, uma jovem atriz de 22 anos, se encontra em um ponto de reflexão ao pressionar as teclas de seu laptop, à medida que projeta suas experiências e pensamentos na parede ao fundo do palco. A trama central de sua performance atual, intitulada “TIP (antes que me queimem eu mesma me atiro no fogo)”, explora a complexidade da vida e da morte, em um contexto que discute a morte de um futuro desejado.
Durante a pandemia de 2020, Milla decidiu afastar-se dos campos tradicionais da atuação, que envolviam peças de teatro, novelas e cinema, e passou a fazer performances eróticas online em uma plataforma de conteúdo adulto. O objetivo inicial era arrecadar uma renda extra em um cenário de incertezas financeiras, mas sua atividade na plataforma rapidamente se transformou em um esforço que trouxe tanto satisfação quanto angústia. Milla afirma que, quanto mais sucesso alcançava, mais se sentia frustrada com suas decisões de vida.
A própria atriz compartilha que a dualidade de sua carreira a gerou um constante embate interno. “Fui percebendo que o sucesso tinha um preço”, conta Milla, que agora se apresenta no Teatro Firjan Sesi, com a expectativa de retornar ao Espaço Cultural Sérgio Porto em janeiro, após uma pausa. O espetáculo, dirigido por Rodrigo Portella, é considerado uma das mais criativas estreias da temporada de 2025.
Rodrigo Portella, que também é seu parceiro, é conhecido por dirigir obras de destaque no teatro brasileiro, como “O motociclista no globo da morte” e “(Um) ensaio sobre a cegueira”. Juntos, eles trazem uma abordagem inovadora ao teatro, e a história de Milla é um componente essencial desse novo projeto.
Apesar de seu talento e experiência de uma década no teatro, Milla enfrentou dificuldades para obter papéis significativos, até que a pandemia chegou e impactou sua família financeiramente. A decisão de se tornar uma ‘camgirl’ trouxe resultados rápidos, com ganhos que inicialmente chegaram a R$ 20 mil no primeiro mês. Durante dois anos, ela se dedicou a esse trabalho, apresentando-se em mais de 500 sessões, enquanto mantinha em segredo essa faceta de sua vida até mesmo de amigos próximos.
O apoio da família foi fundamental para Milla, que se sentiu à vontade para seguir esse caminho. Contudo, o trabalho trouxe à tona questões profundas sobre sua identidade e imagem. Em sua peça, Milla faz uma reflexão sobre temas como medo, fracasso e as pressões da sociedade. Ela busca compartilhar a sua verdade, na tentativa de se libertar das expectativas de perfeição que sempre a cercaram.
Milla também revela que as performances envolviam mais do que apenas erotismo; ela se engajava em diálogos e explorava diversas temáticas, em um formato que misturava entretenimento e atuação. Para evitar riscos, decidiu bloquear clientes brasileiros, temendo ser reconhecida.
Seus antigos clientes ainda a contatam, e embora Milla mantenha um distanciamento, reconhece a complexidade de ter compartilhado momentos íntimos e profundas conversas com eles. Raul Gazolla, seu padrasto, que sempre foi uma figura paterna em sua vida, expressou sua emoção ao assistir ao espetáculo, assegurando que não se sentiu incomodado pela temática abordada.
A trajetória de Milla Fernandez, marcada por altos e baixos, reflete a busca por identidade e aceitação em um mundo que muitas vezes impõe padrões rígidos de comportamento. A peça “TIP” não apenas traz a sua história, mas também abre espaço para debates sobre a sexualidade, a intimidade e a luta pela autodescoberta.



