Na semana passada, foi inaugurada em Camaçari, na Bahia, a primeira fábrica de carros elétricos da BYD no Brasil, uma empresa chinesa. A cerimônia contou com a presença do presidente Lula e do vice-presidente Geraldo Alckmin, que abordaram temas como a reindustrialização verde, geração de empregos e a busca por soberania nacional. Durante o evento, ambos os líderes mencionaram a importância de um futuro com energia e mobilidade limpa. No entanto, não foram feitas referências às graves denúncias sobre a condição dos trabalhadores que atuaram na construção da planta.
A situação dos trabalhadores chineses foi revelada por uma investigação da Agência Pública, que mostrou que muitos deles estavam vivendo em condições análogas à escravidão. O Ministério Público do Trabalho (MPT) já havia ajuizado uma ação civil pública contra a BYD e suas empreiteiras, após uma série de inspeções do Ministério do Trabalho que identificaram sérias irregularidades. Essas irregularidades incluíam trabalho forçado, condições de vida degradantes e jornadas exaustivas. Em algumas das acomodações, 31 pessoas dividiam apenas um banheiro, e os operários eram obrigados a acordar às quatro da manhã. A carga horária mínima era de dez horas diárias, com folgas irregulares, e um trabalhador que se machucou relatou ter trabalhado por 25 dias sem descanso.
Devido à recusa da BYD e das empreiteiras em firmar um Termo de Ajuste de Conduta, o MPT pediu uma indenização de 257 milhões de reais por danos morais coletivos, além da exigência de cumprimento das leis trabalhistas e a proibição de práticas como o tráfico de pessoas e trabalho escravo, sob pena de multa.
Durante a inauguração, o presidente Lula comentou que a chegada da BYD ao Brasil, trazendo tecnologias inovadoras para a indústria automobilística, representa uma transição positiva após a saída da Ford de Camaçari. Ele também fez um apelo para que a montadora venda seus veículos a preços acessíveis para os funcionários, destacando que é importante que os trabalhadores possam dirigir os carros que produzem.
Em junho, o Ministério do Trabalho e Emprego autuou a BYD por manter trabalhadores em condições análogas à escravidão, e a empresa terá a chance de se defender em duas instâncias administrativas. Caso não consiga reverter as autuações, pode ser incluída na chamada Lista Suja, que reúne empregadores encontrados em situações de exploração laboral.
A inclusão da BYD nesta lista gera dúvidas sobre se a empresa receberá um tratamento semelhante ao da JBS, cuja inclusão na lista foi suspensa recentemente pelo ministro do Trabalho, Luiz Marinho. Esta suspensão foi uma medida inédita desde a criação da lista, em 2003.
Além da BYD, outros casos de exploração no setor automotivo têm sido reportados. A Toyota, por exemplo, foi associada a fornecedores que utilizam trabalho análogo à escravidão, com relatos de resgates de trabalhadores em condições desumanas. A Volkswagen também enfrentou condenações por práticas de trabalho escravo em sua história no Brasil, com a Justiça reconhecendo crimes cometidos entre 1974 e 1986.
A indústria automotiva brasileira, que começou seu desenvolvimento na era do governo Juscelino Kubitschek, representa 4% do Produto Interno Bruto (PIB) do país e emprega mais de um milhão de pessoas, além de movimentar diversas cadeias produtivas. Apesar de receber mais de 80 bilhões de reais em incentivos fiscais desde os anos 2000 e ser uma das maiores do mundo, a indústria ainda enfrenta questões relacionadas a padrões de trabalho e exploração, que surgem sob a superfície de um setor que é frequentemente visto como símbolo de progresso e desenvolvimento econômico.