Pesquisadores das faculdades de Medicina e de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) estão conduzindo uma pesquisa sobre o uso das chamadas canetas emagrecedoras por pessoas que não têm indicação médica para isso. O estudo é realizado em parceria com universidades do Japão, da Dinamarca e dos Estados Unidos e tem como base um artigo publicado na revista científica Obesity.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determina que medicamentos como Ozempic e Mounjaro só podem ser vendidos com receita médica e devem ser utilizados apenas por pessoas com obesidade ou diabetes tipo 2. Contudo, existem relatos nas redes sociais e em grupos de convivência de indivíduos que conseguiram essas prescrições sem a devida justificativa clínica ou que adquiriram os medicamentos em farmácias e canais paralelos.
Como não há dados científicos sólidos sobre o uso off-label (fora das indicações médicas), o estudo se baseia em informações empíricas. Para entender melhor essa questão, médicos, antropólogos e cientistas sociais uniram forças para investigar o impacto e as mudanças nos hábitos de consumo e nas relações sociais. Bruno Gualano, professor do Centro de Medicina do Estilo de Vida da USP, destacou que essas medicações não só mudam a perspectiva biomédica, mas também têm uma influência significativa nas relações sociais e na forma como as pessoas se veem em termos de saúde e estética.
Gualano observou que, por enquanto, as pessoas estão empolgadas com os efeitos positivos desses medicamentos, como a redução de peso e o controle dos níveis de açúcar no sangue. No entanto, ele alerta que essa “fase de lua de mel” pode não durar, e que os efeitos a longo prazo ainda são incertos.
A pesquisa objetiva compreender os motivos pelos quais os indivíduos têm buscado esses medicamentos sem indicação médica e comparar os resultados em diferentes países. Para isso, foi aplicado um questionário online, cujas respostas serão analisadas para fornecer dados mais claros sobre a situação.
Os pesquisadores identificaram que muitos usuários não procuram necessariamente melhorias na saúde, mas sim um ideal de magreza associado a status social e aceitação. Esse fenômeno é considerado uma parte do que se chama “economia moral do corpo”, que sugere que a magreza é vista como um símbolo de sucesso e reconhecimento profissional.
Fernanda Scagliusi, também da USP e coautora do estudo, alertou para o fato de que o acesso a esses medicamentos é muitas vezes limitado por seu alto custo, dificultando o uso por pessoas com menos recursos financeiros. Ela sugere que a magreza pode se tornar uma marca de riqueza, enquanto a gordura pode ser associada à pobreza. Gualano complementou essa visão, afirmando que os diferentes tipos de corpo podem se tornar uma representação de poder na sociedade.
As redes sociais também são evidenciadas como uma força motriz que impulsiona o uso off-label dessas canetas emagrecedoras. Plataformas como Instagram e TikTok promovem padrões de beleza que muitas vezes não são alcançáveis para a maioria das pessoas. Os relatos de emagrecimento rápido se tornam referências e incentivam novos usuários a seguirem o mesmo caminho.
No entanto, o estudo destaca que os possíveis efeitos colaterais graves desses medicamentos, como vômitos e fraqueza, costumam ser negligenciados. Scagliusi enfatiza a necessidade de cautela na divulgação, já que alguns usuários podem até ter dificuldades em realizar atividades físicas devido à falta de energia.
Gualano também mencionou uma contradição presente nas redes sociais: inicialmente, os usuários se sentem aliviados ao atingir os padrões de beleza esperados, mas logo enfrentam um julgamento negativo, sendo chamados de “trapaceiros” por optarem por uma solução farmacológica ao invés de métodos tradicionais de emagrecimento, como a cirurgia bariátrica.
A pesquisa revelou diferenças culturais significativas sobre o uso desses medicamentos. No Brasil, a utilização está ligada a padrões de beleza que consideram fatores como raça e classe. Nos Estados Unidos, é vista como uma ferramenta de autodisciplina. No Japão, está associada a estratégias de saúde pública, enquanto na Dinamarca reflete uma alta confiança nas práticas médicas.
Os pesquisadores concluem que, nesse cenário, o uso de medicamentos sem orientação médica não é mais visto como um desvio, mas sim como uma resposta que muitos consideram lógica às novas pressões estéticas. Muitas questões permanecem em aberto, como os impactos psicológicos e sociais do uso prolongado dessas substâncias. Os pesquisadores se perguntam até que ponto a falta de apetite pode estar relacionada a transtornos alimentares ou a depressão, além de se preocupar com a autoestima e a relação dos indivíduos com a comida. Ao final, a adesão massiva a esses medicamentos forma um experimento social que levanta dúvidas sobre os custos humanos envolvidos.



