Em um contexto de alta do preço do ouro, desvalorização do dólar e reconfiguração das potências globais, dois ex-executivos decidiram abrir uma gestora de ações no Brasil mesmo com a aversão ao risco predominante entre os investidores locais.
Alex Gonçalves e Murilo Arruda, fundadores da Morada Capital, enxergam que o atual cenário de incertezas representa uma oportunidade para estabelecer um negócio de investimentos focado no longo prazo. Eles acreditam que a crescente desconfiança em relação ao governo tem fomentado a valorização de ativos como ouro, bitcoin e commodities.
Arruda enfatiza que a seleção de sócios é um desafio maior do que escolher o momento certo para empreender. Para ele, a criação da Morada foi impulsionada pela afinidade de valores entre ele e Gonçalves.
A estrutura da nova gestora prioriza o coletivo ao invés do individualismo, promovendo uma abordagem em que todos os sócios são responsáveis pela empresa. Esse modelo visa minimizar a personalização e reforçar uma disciplina empresarial conjunta.
A abertura de uma gestora em meio a uma fase de saída de recursos da indústria de fundos, marcada por uma migração para investimentos mais conservadores, exige coragem. Arruda reconhece os desafios do cenário, mas sinaliza uma leve recuperação no apetite dos investidores.
“Estamos começando a observar uma mudança, ainda tímida, no apetite do investidor”
Em entrevista ao programa Stock Pickers, apresentado por Lucas Collazo, a dupla detalhou as razões para iniciar a gestora neste momento e como o contexto internacional pode, paradoxalmente, favorecer novas iniciativas.
Um produto que se adapta ao Brasil
Alex Gonçalves indica que a proposta da Morada surge em resposta à desilusão de muitos investidores brasileiros. Ele observa que muitos optaram por produtos atrelados ao CDI após experiências negativas, e a gestora busca criar um produto capaz de se adaptar a todas as situações que o Brasil pode apresentar.
“O investidor decidiu que só quer CDI. Queremos um produto que sobreviva a qualquer cenário, pois o Brasil frequentemente enfrenta condições extremas a cada poucos anos.”
A influência dos EUA e a nova dinâmica global
Segundo Gonçalves, as flutuações dos ativos brasileiros estão cada vez menos relacionadas a eventos locais e mais com movimentos provenientes de Washington e Pequim. Ele destaca que a interação entre mercados emergentes, como México, Chile e Colômbia, está atrelada a um dólar fraco e à expectativa de cortes nas taxas de juros dos Estados Unidos.
Após um ambiente favorável para emergentes até setembro, Gonçalves observa que o robusto PIB americano de outubro reabriu questionamentos sobre a sustentabilidade dessa tendência.
“Historicamente, se os Estados Unidos superam o crescimento mundial, isso não favorece os mercados emergentes,” ressalta.
Atualmente, o ouro tornou-se um indicador central nessa reestruturação, com reservas globais quase igualmente balanceadas entre Treasuries (24%) e ouro (23%) — uma situação não vista desde 1996.
Ouro, bitcoin e a desconfiança governamental
Gonçalves relaciona a valorização do ouro e das commodities à crescente instabilidade geopolítica e à desconfiança nas contas públicas globais. “O mundo está mais bélico, e os investidores atualmente buscam proteção em ativos como ouro, bitcoin e commodities, todos reflexos do medo em relação ao governo”, afirma.
Ele observa que a China é um exemplo claro dessa tendência, com sua crescente compra de ouro, indicando uma estratégia para reduzir a dependência do dólar.
A força do dólar e o conceito de “smile” econômico
Mesmo com a diversificação no portfólio, Gonçalves alerta que a virada de cenário dependerá da economia americana. Apesar da fragilidade no mercado de trabalho, o consumo e o investimento em tecnologia continuam robustos, o que mantém a economia dos EUA aquecida.
Esse fenômeno refere-se ao conceito de “dollar smile”, onde o dólar se fortalece tanto em momentos de crise quanto de crescimento. “Devemos nos questionar em que parte desse ‘sorriso’ estamos atualmente,” enfatiza.
Apesar da preocupação global, a Morada Capital permanece atenta às nuances da economia doméstica, afirmando que atualmente o mercado politicamente sensible é pouco precificado.
Com o ciclo de cortes de juros em andamento e a economia mantendo algum dinamismo, os gestores acreditam que o cenário interno pode se tornar mais favorável.
Alex Gonçalves e Murilo Arruda estão confiantes de que os próximos ciclos de valorização surgirão com mudanças de cenário, e a Morada Capital se preparará para capitalizar nessas oportunidades.