Nos últimos dias, a discussão sobre o assassinato da vilã Odete Roitman, da novela Vale Tudo, dominou as redes sociais. Entretanto, uma narrativa igualmente impactante se desenrola em Dona de Mim, no qual um tema sensível vivenciado por muitas famílias brasileiras é abordado: o diagnóstico de Alzheimer em um familiar e suas implicações financeiras e sucessórias. O InfoMoney consultou especialistas para fornecer orientações sobre essa questão complexa.
Na trama de Dona de Mim, Dona Rosa, interpretada pela atriz Suely Franco, é uma empresária que, junto ao marido, construiu uma fábrica de lingeries com 60 anos de história e que prosperou ao longo do tempo. No entanto, conforme envelhece, sua saúde mental começa a se deteriorar, revelando conflitos familiares entre o filho e os netos pelo controle da empresa.
Em momentos de clareza, Dona Rosa consegue contratar uma advogada para assegurar que suas vontades sobre o patrimônio sejam respeitadas, reunindo laudos médicos na esperança de garantir a validade das decisões que vem tomando.
O dilema da doença e a gestão patrimonial
Este enredo ilustra um dilema crucial: como enfrentar o Alzheimer sem negligenciar as obrigações legais para proteger o patrimônio. O desafio torna-se ainda mais relevante à medida que a população brasileira envelhece. Entre 2000 e 2023, a proporção de pessoas com 60 anos ou mais quase dobrou, passando de 8,7% para 15,6%, totalizando 33 milhões de idosos em 2023. Estima-se que, em 2070, mais de um terço da população (37,8%) será formada por pessoas dessa faixa etária.
Conforme dados do Ministério da Saúde, 8,5% dessa população já apresenta algum tipo de demência, com o Alzheimer sendo a mais prevalente. Um estudo recente aponta que cerca de 1,8 milhão de brasileiros vivem com a doença, com projeções indicando que, até 2050, 5,7 milhões de pessoas serão diagnosticadas com alguma forma de demência.
Aspectos legais da curatela no Brasil
Para abordar as implicações legais, o InfoMoney conversou com especialistas sobre as medidas judiciais quando uma pessoa não consegue mais gerir suas próprias decisões, conforme o Código Civil. De acordo com a advogada Laísa Santos, a interdição, atualmente denominada curatela, é aplicada quando um indivíduo não pode expressar sua vontade ou administrar seus atos civis devido a enfermidade ou deficiência que prejudique o discernimento.
“A Lei 13.146/2015, que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência, trouxe novas perspectivas, inserindo um caráter assistencial à curatela, que deve ser proporcional à limitação e focada em atos patrimoniais e negociais”, esclarece Santos. O processo é supervisionado por um juiz, que toma decisões baseadas em laudos médicos e entrevistas com o interditando.
Mariana Barsaglia Pimentel, advogado na área de Família e Sucessões, ressalta que a curatela deve respeitar o nível de autonomia do indivíduo. “Mesmo alguém com Alzheimer pode continuar a tomar algumas decisões, desde que compreenda seu impacto”, afirma. A interdição é vista como uma medida excepcional, voltada para a proteção do indivíduo e seu patrimônio.
A Tomada de Decisão Apoiada é uma alternativa à interdição total, permitindo que a pessoa escolha apoiadores para auxiliá-la em decisões sem perder a capacidade legal. A advogada Júlia Moreira enfatiza que a interdição deve ser encarada como uma medida protetiva e que é fundamental que o indivíduo tome precauções jurídicas enquanto ainda está lúcido.
Orientações para familiares
Quando se recebe um diagnóstico de Alzheimer, as seguintes recomendações podem ser consideradas:
- Lavrar um testamento público: assegura o destino dos bens e diminui disputas entre herdeiros.
- Fazer uma procuração pública duradoura: permite delegar poderes a alguém de confiança.
- Registrar diretivas antecipadas de vontade: orientam familiares sobre cuidados e tratamentos futuros.
- Designar um curador antecipadamente: garante que a escolha de quem cuidará do doente seja feita pela própria pessoa.
- Organizar a vida financeira e patrimonial: facilitará a gestão do patrimônio e evitará conflitos.
Impactos da curatela em empresas familiares
Os casos de interdição são frequentes entre empresários e administradores de empresas familiares. Segundo Laísa Santos, quando surgem indícios de senilidade, é possível entrar com uma ação de curatela, apresentando laudos que comprovem a incapacidade de gestão. Nesses casos, um juiz pode designar um curador ou um assistente de confiança para o curatelado, podendo isso levar ao afastamento do controle da empresa.
A advogada Marina Dinamarco destaca a importância de equilibrar proteção e autonomia na legislação atual. “A tendência é intervir o mínimo possível, priorizando o apoio à vontade da pessoa”, conclui. Em suma, assim como na ficção, a linha entre proteção e invasão pode ser difusa. No mundo real, decisões bem articulares e formalizadas são essenciais para assegurar que a vontade individual continue sendo respeitada, mesmo diante da falência da memória.
Criterios exigidos pela Justiça para interdição
- Laudo médico que comprove a incapacidade cognitiva ou funcional.
- Petição inicial elaborada por advogado, com documentação pessoal e evidências da condição clínica.
- Audiência judicial, onde o juiz pode ouvir familiares e, se possível, o interditando.
- Avaliação pericial realizada por profissional indicado pelo juiz.
- Nomeação de curador, que será responsável pelos atos patrimoniais e negociais do interditado, podendo ser total ou parcial.