Os preços do ouro à vista alcançaram uma marca histórica, ultrapassando US$ 4.000 por onça pela primeira vez, impulsionados por incertezas na economia dos Estados Unidos e riscos de um possível shutdown do governo. Nesta quarta-feira, o metal precioso registrou um aumento de até 0,4%, atingindo US$ 4.001,11 por onça. Esse resultado é notável, considerando que há apenas dois anos o ouro era negociado abaixo de US$ 2.000 e, atualmente, apresenta retornos significativamente superiores aos das ações no século XXI.
Em 2023, o valor do ouro já avançou mais de 50%, refletindo as preocupações em torno do comércio global, a independência do Federal Reserve e a estabilidade fiscal dos Estados Unidos. As tensões geopolíticas também contribuíram para um aumento na demanda por ativos de proteção, enquanto bancos centrais mantêm um elevado nível de compras.
A alta nos preços foi intensificada por investidores que buscam proteção diante de choques no mercado, especialmente após o impasse orçamentário em Washington. Outro fator que favorece o ouro é o início do ciclo de cortes de juros pelo Fed, uma vez que o metal, por não gerar juros, se torna mais atrativo em cenários de baixa taxa de juros. Além disso, setembro foi o mês com maior fluxo de recursos em fundos negociados em bolsa (ETFs) lastreados em ouro em mais de três anos.
Charu Chanana, estrategista da Saxo Capital Markets, destacou que “o rompimento dos US$ 4.000 não é apenas um movimento de medo, mas sim uma realocação.” Ela explicou que os dados econômicos mostraram uma pausa e que as ações ligadas à inteligência artificial (IA) parecem supervalorizadas. Chanana também apontou que, enquanto os bancos centrais criaram a base para essa alta, agora o varejo e os ETFs estão impulsionando a próxima fase de crescimento.
Historicamente, aumentos significativos no preço do ouro estão relacionados a momentos de estresse econômico e político. O metal já havia ultrapassado US$ 1.000 após a crise financeira global, US$ 2.000 durante a pandemia de COVID-19 e US$ 3.000 quando os EUA implementaram tarifas globais sob a administração de Donald Trump.
Atualmente, a superação dos US$ 4.000 ocorre em um contexto em que o presidente Trump ataca a autonomia do Fed, fazendo ameaças ao presidente Jerome Powell e à diretora Lisa Cook. Essa situação pode favorecer um Fed mais flexível, com disposição a reduzir juros e aceitar uma inflação mais alta, criando um cenário favorable ao ouro, que costuma se beneficiar em ambientes de juros baixos.
Analistas do Macquarie Bank preveem que o ouro poderá atingir um pico cíclico caso cresçam as preocupações sobre a independência do Fed. A nota do banco sugere que um Fed que cometa erros em sua política pode resultar em um desempenho ainda mais forte para o ouro.
A valorização recente do metal indica que o ouro pode estar a caminho de seu melhor desempenho anual desde a década de 1970, um período que também foi marcado por inflação acelerada e o fim do padrão-ouro. Naquela época, o então presidente Richard Nixon pressionou a redução de juros, resultando em uma inflação volátil.
Stephen Miller, assessor de estratégia da GSFM, comentou que os investidores estão comprando ouro por suas qualidades de diversificação e prevê que este ativo ganhe cada vez mais espaço em investimentos prudentes, mencionando preços que podem chegar a US$ 4.500 até meados do próximo ano.
Os bancos centrais têm desempenhado um papel fundamental nesse cenário, mudando de vendedores a compradores líquidos após a crise financeira de 2008. O ritmo acelerado de compras dobrou após o congelamento das reservas cambiais da Rússia em 2022, fazendo com que muitos países buscassem diversificação. A inflação, juntamente com o receio de um tratamento desfavorável em relação a credores estrangeiros por parte do governo dos EUA, também acentuou o apelo pelo ouro.
Lina Thomas, estrategista de commodities do Goldman Sachs, ressaltou que o aumento das compras oficiais reflete uma mudança estruturada nas práticas de gestão de reservas, tendência que deve continuar nos próximos anos. Ela mencionou, em uma nota recente, que a expectativa é de que o ritmo atual de acumulação persista por mais três anos.