Desde a ascensão do bolsonarismo, muitos brasileiros se questionam sobre como um movimento político com características desonestas e agressivas conseguiu ganhar força. A resposta para entender essa situação envolve não apenas Jair Bolsonaro e seu círculo próximo, mas também instituições e pessoas que não se alinham com ideais democráticos.
Ao longo dos últimos anos, figuras que deveriam defender a democracia foram complacentes com o avanço do que logo se transformou em um projeto autocrata. Para evitar a volta do partido dos trabalhadores ao poder, aceitaram algumas das posturas mais agressivas de Bolsonaro. Idealizaram sua imagem, acreditando que poderiam controlá-lo e, mesmo com suas ações controvertidas, pretendiam criar espaço para um sucessor que fosse mais alinhado com os interesses do mercado.
A imprensa teve um papel significativo nesse processo. Ela colaborou para a normalização da figura de Bolsonaro, evitando identificá-lo claramente como um político de extrema direita e oferecendo ampla exposição às suas declarações, muitas vezes bizarras. Essa relação levou a uma banalização de mentiras e ofensas, promovendo uma falsa equivalência entre Lula e Bolsonaro, que contribuiu para a confusão no entendimento público sobre esses dois líderes.
Conforme os eventos se desenrolaram, o País quase foi alvo de um golpe de Estado. Apesar das dificuldades enfrentadas nos últimos anos, parece que as fórmulas que contribuíram para o caos ainda são utilizadas, especialmente em alguns setores do jornalismo.
Um exemplo claro dessa situação aconteceu em um programa da GloboNews, onde o comentarista Joel Pinheiro analisou a repressão violenta imposta por Hugo Motta contra o deputado Glauber Braga, do PSOL. Glauber havia ocupado a Mesa Diretora da Câmara em um protesto contra a iminente cassação de seu mandato. Joel, com formação em Economia e Filosofia, parecia apoiar a ordem de Motta, que acionou a Polícia Legislativa para retirar Glauber de forma abrupta e impediu a entrada de outros deputados e jornalistas no local, cortando inclusive o sinal da TV Câmara.
Embora Joel reconhecesse que Motta foi permissivo com deputados de extrema direita que estiveram na mesma Mesa antes, afirmou que a decisão de agir da forma como fez era correta e propôs uma “tolerância zero” para with o que considera um mal.
Em resposta, Fernando Gabeira, outro comentarista no programa, discordou veementemente. Gabeira, que viveu a repressão durante o Regime Militar, defendeu que Motta deveria ter buscado a negociação, uma abordagem essencial na política. Joel, por sua vez, atacou Glauber, sugerindo que sua ação contra um militante provocador apenas justificava sua cassação. Ele chegou ao ponto de classificar a greve de fome realizada por Glauber em protesto como um “ato autoritário”.
Um tempo depois, Demétrio Magnoli, outro comentarista do mesmo canal, comentou que, embora não simpatizasse com Glauber, reconhecia que ele estava sendo alvo de perseguição por Motta e que a cassação do deputado não estava justificada.
O comportamento de Joel Pinheiro reflete uma postura reacionária que não é nova. Ele havia defendido, no passado, a legalização do comércio de órgãos para transplantes — embora tenha depois alegado mal-entendido — e, mais recentemente, introduziu a noção de “bolsonarismo moderado”. Esses posicionamentos, veiculados em uma emissora de grande alcance, têm o potencial de influenciar muitos telespectadores.
Essa situação ressalta que práticas antidemocráticas não são lutadas apenas por indivíduos com uma postura mais agressiva, como Jair Bolsonaro. Jovens com uma imagem mais “polida” também podem incentivar comportamentos autoritários, mostrando que nem todos os reacionários se apresentam da mesma maneira. Algumas pessoas vestem sapatênis em vez de coturnos, mas ainda promovem atitudes igualmente perigosas para a democracia.



